terça-feira, 29 de novembro de 2011

Toscana - Brunellos....e Brunellos!


Os vinhos são como os homens, com o tempo os maus azedam e os bons apuram ( Cícero, filósofo romano – 106 a.C – 43 a.C)


A história do Brunello é antiga, por volta de 1888, Ferrucio Biondi-Santi produziu um vinho feito com um clone selecionado da uva Sangiovese, a Brunello.
O resultado foi um vinho potente, denso, escuro, muito em função da uva escolhida, e do ambiente natural onde ela foi cultivada
Anos, lendas, e muitas histórias depois, algumas nem tão auspiciosas assim, o Brunello tornou-se um ícone italiano e sonho de consumo de muito enófilo apaixonado pelo seu estilo vigoroso, meio assim tipo lutador do UFC....
Até meados de 80, Montalcino era uma das mais pobres vilas montanhosas do sul da Toscana, tudo mudou quando o mundo voltou a prestar atenção naquele vinho escuro, encorpado, carregado de sabor, textura, e de alto impacto (UFC, entendeu ?)
Passados mais de um século, os Biondi-Santi continuam lá, mas agora com mais companhia, talvez até com mais do que devia
O entorno de Montalcino cresceu mais do que precisava, e o número de produtores com segundas intenções também, e hoje o resultado mais evidente desde cenário é a existência de Brunellos e... Brunellos, alguns primorosos, caríssimos, mas fantásticos, muitos outros não merecem sequer nossa atenção.
A única solução para não errar é conhecer o histórico e a reputação do produtor, dá um certo trabalho mas vale a pena.
Os bons e modernos Brunellos são menos tânicos, menos superextraídos, menos macerados, o que significa entre outras coisas, que eles saem das adegas mais prontos para serem consumidos.
Traduzindo isso melhor, não precisamos aguardar 20 anos para beber um Brunello com taninos polimerizados, finos e elegantes, agora só 5 !
O Brunello tem um primo, o Rosso, também de Montalcino, e seria injusto chamá-lo de “primo pobre”, ele é mais leve, mais simples e mais pronto para ser bebido, mas tem independência e personalidade própria, e em muitos casos apresenta um melhor custo-benefício, algo que não podemos deixar de levar em consideração.
Minha sugestão para quem não conhece o Brunello é beber alguns Rossos antes. (o paladar agradece e bolso também).
A Toscana dos Etruscos (Etrúria), anexada ao Império Romano no século III a.C, é considerada uma das regiões do mundo com maior documentação disponível à respeito de tradições e costumes vinícolas.
Hoje abriga cerca de 50 denominações distintas, e além dos Chianti e Brunellos, e os “Super Tuscans” podemos destacar também Carmignano, a menor DOCG da Toscana e uma das mais antigas do mundo, Nóbile di Montepulciano, outra linda cidadezinha entrincheirada em uma colina, e para não ficar sem citar um vinho branco, Vernaccia di San Gimignano, esta com suas célebres torres.
Por último o Vin Santo, fruto de uma tradição cara a todos os toscanos, um vinho passito, ou seja de uvas passas, geralmente brancas e originalmente doce embora hoje há secos também.
Depois de um Vin Santo com biscoitos de amêndoa (cantucci), nos despedimos da Toscana rumo ao Vêneto, onde Romeu e Julieta nos aguardam com um inenarrável Amarone !
“Nunc est bibendum”, salve Cícero !
Até breve, Bacco a seu dispor

Thanks : Jancis, Viotti, Larrouse, Adega, .....

domingo, 27 de novembro de 2011

Toscana - Além do Chianti


“Ver um agricultor toscano a fazer um ricotta fresco, com as suas vacas no estábulo ao lado, as cebolas do ano passado e os tomates do último verão pendurados nas vigas ao lado de prosciutto feito em casa, é começar a entender a auto-suficiência”


O Chianti e a Toscana são celebridades únicas que de tão íntimas até se confundem, mas quando o assunto é vinho, certamente ela a Toscana berço da Renascença, além de arte, construções históricas, cultura e tradição, nos presenteia também com o Brunello, o Vino Nóbile di Montepulciano, o Carmignano, o Morellino de Scansano, e mais recentemente com os Supertoscanos, sobre estes que vamos parlar súbito....
Os Supertoscanos (adoro este nome) nasceram nobres e trazem consigo a áurea de “rebeldes com causa”, o que de certa forma atrai simpatias (e anti..) desde o primeiro momento (hay govierno soy contra....)
A nobreza vem dos pioneiros visionários, Mario Incisa della Rocheta (Sassicaia!) e Marquês Antinori(Tignanello!), seguidos posteriormente de outros, Fontodi ( Fraccianello) Setti Ponti (Oreno).....etc
Limitados e principalmente frustrados pelas regras (ultrapassadas) impostas pelas “Denominações de Origem” (DOC), optaram pela “revolução” e partiram para a criação de uma nova linhagem de vinhos de alta qualidade.
Naturalmente deixaram certas tradições de lado, optaram por novas tecnologias, e fundamentalmente se apoiaram em castas nobres francesas como Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Merlot,...etc,tudo isso no coração da Itália!
As DOC(G) foram abandonadas sem dó nem piedade, a competição e principalmente a sobrevivência eram temas mais urgentes, e estes vinhos passaram a ser reconhecidos pela nova denominação IGT, (Indicação Geográfica Típica) não raro com uma imagem moderna, elitista, quase sempre associada a preços altos
A qualidade está lá , isso não se discute, Sassicaia, Tignanello, Ornellaia, Solaia, Flaccianello, Satta, Oreno, Guado al Tasso..., mas o termo supertoscano ( cunhado pelos americanos ) associado à um marketing para lá de inteligente foram decisivos para a colocação destes vinhos no lado “top” do mercado.
Do ponto de vista restrito de valor ($), todos estes “super-toscanos” também são “super-avaliados”, bom para o produtor, ruim para nosso bolso.
Para a Itália vinícola, conservadora e tradicionalista por excelência, não deve ter sido fácil entender muito menos aceitar, como na Enotria, na Terra do Vinho, berço da rainha Sangiovese e outras centenas de castas nativas, um vinho feito apenas de Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc atingisse a expressão que o Sassicaia atingiu.
Mais um vinho estilo “Bordeaux” para americano rico, chinês idem, contribuição “parkerniana”, diriam os mais radicais......
Não sou italiano, algum sanguinho de uma avó talvez e só (saudades vó Leopolda Sartori), mas eu acho que consigo entender um pouco a angústia e o desalento que deve se instalar naquele produtor fiel à suas tradições, pouco afeito aos caminhos tortuosos e agressivos do “enobusiness”, c’est la vie !, ops, scuse.
Ok, polêmicas à parte, até podemos sonhar, mas não podemos esquecer as regras de um mercado difícil, competitivo, onde o vinho que se vende e pelo preço que se vende é aquele que o cliente gosta e está disposto a pagar por ele, paciência...
Não me vejo como um xiita, e conheço meu gosto,mas me sinto particularmente mais confortável, em paz comigo mesmo, ao degustar um Chianti 100% Sangiovese quando me proponho a beber um vinho italiano, um legítimo toscano.
A boa notícia para os defensores da tradição, do terroir,...etc, é que em Bolgheri e Marema, na costa toscana, berço dos supertoscanos, os mais eficientes enólogos já conseguem excelentes resultados com cortes de Cabernet e Sangiovese e até mesmo com 100% de Sangiovese.
Os deuses lá no Olimpo estão mais calmos......................................
“Nunc est bibendum”, viva a Toscana
Até breve, Bacco a seu dispor...........

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Itália - Chianti e o Galo Negro


“ A única maneira de conhecer a fundo a Itália, seu povo, tradições, seu espírito e cultura populares é através dos seus vinhedos e vinhos” – Lamberto Paronneto - enólogo


Todo apreciador de Chianti, e acredite são muitos, conhece de alguma maneira ou outra a lenda do Galo Negro.
Aqueles que não conhecem tão bem tanto o Chianti, quanto a lenda, chegou a hora.
Ela já foi contada por inúmeros personagens e de diversas maneiras, até porque data do século XIII, vou escolher uma recente, publicada pelo Dr Sérgio de Paula Santos em seu “Os caminhos de Baco" – 1984
“ As cidades-estado de Siena e Florença guerreavam-se há anos pela posse das terras que as separam, quando foi proposto um acordo. Dois cavaleiros sairiam de suas respectivas cidades em direção à outra. O ponto onde se encontrassem seria reconhecido como a linha demarcatória entre as duas cidades. Partiriam ao raiar do dia, ao primeiro canto do galo. Os florentinos escolheram uma ave negra, magra, e faminta. O galo de Siena era forte, robusto, e bem alimentado. Na manhã da disputa o galo negro faminto como estava, acordou bem mais cedo que o bem nutrido de Siena, o cavaleiro de Florença partiu logo e veio a encontrar o de Siena quase nos muros de sua própria cidade, e aí é até hoje o limite entre as duas regiões.” (Terry Robards, cronista do New York Times Magazine )
Obs : Os sovinas florentinos, nem o galo eles alimentavam, levaram a melhor frente aos opulentos de Siena.....
O Galo Negro tornou-se o emblema de Florença, e aparece no gargalo das garrafas de Chianti Clássico, visto como um símbolo de qualidade do produto.
Lendas à parte, Florença, Siena, além de Pisa, Montepulciano, Arezzo, Luca, e San Gimignano, são a mais pura tradução do que é a Toscana, um cenário perfeito para grandes vinhos, o Chianti inclusive.
O Chianti é provavelmente um dos vinhos mais conhecidos do mundo, seja por conhecedores ou leigos, desde a famosa garrafinha bojuda forrada de palha trançada conhecida por “fiasco”, estão lembrados ? então agora esqueçam, até os modernos, longevos e excelentes Riserva Chianti Clássico estes guardem nas suas mentes para sempre.
O Chianti comum é a tradução literal das trattorias italianas e suas massas simples quase sempre com muito molho de tomate, barato e honesto ele cumpre o seu papel.
Um Riserva Chianti Clássico de um bom produtor, com 100% de uva Sangiovese ou com alguma mistura (20%) de Canaiolo, Colorino, e até as internacionais Cabernet e Merlot, está entre os melhores vinhos do mundo.
O Clássico do rótulo se refere à zona original do Chianti delimitada em 1716 ! onde se produz o Chianti Clássico, ok?
Existem outras 6 zonas demarcadas de Chianti, o Chianti Rufina, o Colli Senesi, o Colli Fiorentini, o Colline Pisane, o Colli Arentini, e o Chianti Montalbano.
Na Itália dos vinhos, nada é muito simples e fácil de entender, rótulos e legislação ( VdT, IGT, DOC, DOCG ??) estão aí para demonstrar isso, acontece que Plínio, Cícero, Virgílio, Galeno, Petrônio, grandes filosofos latinos amantes do vinho italiano nunca se preocuparam muito com coisas desta natureza, você também assim como eles não precisa disso para gostar dos vinhos........basta fazer como os italianos de hoje, que melhor do que ninguém sabem como conviver com eles no seu dia a dia.
O Chianti se confunde com a Toscana, sua paisagem, arquitetura e agricultura seculares, é seu símbolo maior, mas a Toscana moderna vai além do Chianti, como veremos na sequência

“Nunc est bibendum”, um Chianti para acompanhar minha macarronada ao sugo por favor
Até breve, Bacco a seu dispor

Obs : thanks, Viotti, Jancis, Sérgio de Paula Santos, Gasnier.....

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Enotria - A Itália merece...


Baco deus do vinho era romano,...... não por acaso!

Se eu tivesse que associar uma única expressão para definir o vinho italiano eu escolheria “festa”
Todos nós conhecemos seja de onde for, seja de que maneira for, um italiano falante, cheio de gestos, eloqüente, teatral, quase sempre dramático,um exagero em pessoa, um mestre em tratar as coisas com o máximo de espetacularidade !
Com o seu vinho não é diferente, a relação é passional mesmo, e vem de muito longe, podemos contar 3 mil anos de história ligada à vinicultura, em nenhum outro lugar do mundo, o vinho está tão fortemente ligado à cultura popular de um povo como o italiano.
Para ele vinho é alimento, não pode faltar nunca em uma refeição, a qualquer hora, se for com a família então, talvez até por isso eles tenham os vinhos mais gastronômicos que se conhece.
“Vino da manggiare”, é na mesa farta que o vinho italiano tem sua melhor chance de mostrar algum valor, esta é a concepção italiana para enologia.
“L’abbinamento” é a palavra italiana que explica o feliz casamento da comida com o vinho, esta paixão nos rendeu além dos vinhos, o espaguete, o penne, o risoto, a polenta, o parma, o parmesão, a pizza....!!
A Itália inteira produz vinho (literalmente), de todos os tipos, em quantidades gigantescas, e de muitas maneiras, em cada região uma história, uma cultura, uma tradição.
Depois da queda do Império Romano em 476 dC, a Itália permaneceu politicamente fragmentada até 1861, e é esta a melhor explicação para a força das suas tradições locais, para a imensa variedade de uvas nativas regionais, estilo dos vinhos e técnicas de produção.
Foi a Itália a responsável por espalhar a cultura do vinho para o mundo ocidental, primeiro a expansionista Roma Imperial e seus domínios, e bem depois as levas de imigrantes para o Novo Mundo
De americanos a brasileiros, todos desenvolveram o hábito de beber vinho com os imigrantes italianos, o vinho brasileiro deve muito a eles.
Muito além da qualidade dos vinhos italianos, contestada por muitos, não sem razões para isso, ao lado de alguns poucos ícones, a maioria é corrente de produção massiva, porém qualquer enófilo que se preze tem como obrigação respeitar o importante papel que Itália representou e ainda representa no mundo do vinho, sob qualquer ponto de vista.
Não há outra razão senão esta para que os gregos cobertos da sua conhecida sabedoria a chamavam de Enotria, a Terra do Vinho !
Fundamentalmente, esta é a minha maior motivação quando resolvo escolher um tinto italiano para me fazer companhia.
“Nunc est bibendum”, que Baco aí ao lado te proteja
Até breve, nos vemos no Piemonte, Toscana, Vêneto...... Bacco a seu dispor.......

Thanks : Viotti, Gasnier, Jancis.....

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Papo com Bacco 1 ano - Tempo de lembranças


Sentado sozinho haveria melhor lugar
O meu vinho bebo sozinho
Ninguém a me incomodar
E eu nas idéias a viajar
(Goethe)

Caramba um ano! precisamente no dia sete de novembro do ano passado, depois de algumas idas e vindas, muitas dúvidas, receio, medo mesmo, eu colocava o blog no ar.
Quarenta e três postagens depois, um pouco mais de três mil acessos (se cuide Justin Bieber!), uma curtição só, muito bom, muito bom mesmo.
Peço licença para lembrar, comemorar e agradecer, o que de certa forma me leva até onde tudo começou...
“1975”, até então um grande bebedor de whisky barato (quase sempre bem escoltado pelo amigos “Celinho” e “Ivete”), recém formado, recém casado, filha recém chegada (Tati, muito bem vinda), justificativas mais do que aceitas para o “barato” aí de cima, correto ?
E não é que do nada, um belo dia surge lá em casa meu “irmão Caião” todo pimpão, baita bigodão, empunhando um exemplar espanhol, “Visconde de Ayala”,(influência do sangue da Regita acho) com o discurso na ponta da língua “chique é vinho e não whisky”.
Como naquela época recusar uma bebida, nem que fosse vinho, podia ser considerado pecado mortal, nós traçamos o tal Visconde...mas ficou nisso.
Foram necessários pelo menos mais 10 anos para que eu voltasse a prestar atenção nos vinhos, outros tempos,.... whisky de melhor qualidade, novos sócios (grande Wellington), .....mas a verdade é que o vinho estava definitivamente entrando na minha vida, ainda que eu não tivesse a percepção que tenho hoje sobre isso.
Junto com ele, um novo e grande amigo, verdadeiro parceiro das horas de Bacco, passados 25 anos, religiosamente eu e meu amigo Afonso nos reunimos para degustar um vinho, sempre na excelente companhia das nossas poderosas consultoras Bia e Andrea.
Muito além da comida, bom vinho se harmoniza com boas amizades, preste bem atenção nisso....
Já disse aqui mais de uma vez, o vinho é muito mais do que uma simples bebida, é história, é geografia, é cultura, é tradição, ele nos torna mais sábios, felizes aqueles que reconhecem isso (valeu Sergio de Paula Santos, que Deus te abençoe )
Muito obrigado a todos que me incentivam e que me dão imenso prazer ao participarem de um “Papo com Bacco”
“Nunc est bibendum”,mas não se esqueça, beba com moderação....
Até breve, Bacco a seu dispor...........

Obs: Acabo de voltar de um curso da “The Wine School”, aprender nunca é demais, mas seu estiver me tornando um enochato o culpado é o bigodudo aí do lado (Caio - 20/Jul/74)