quinta-feira, 25 de outubro de 2012

"o gosto é semelhante à rudeza do entendimento"

A pesquisa sobre aeração e decantação, meu último “post”, me deu a oportunidade de voltar a ler Émile Peynaud, um estudioso sem tréguas e concessões

Peynaud se foi durante a reedição da sua obra “Le goût de vin” originalmente publicada em 1980, e é a esta primeira edição que eu agora peço socorro, mais precisamente ao prefácio onde o professor deixou seu recado para cada um dos elos que no seu entender representam a indústria do vinho, o produtor, o comerciante, o enólogo e o apreciador.
Peço licença para me fixar justamente em você “apreciador” e reproduzir aqui passados mais de 30 anos, a visão que julgo coerente sobre suas responsabilidades no mundo do vinho, que ao contrário do que você pode imaginar não é só simplesmente beber !!
Vejamos, você é o elo mais importante desta corrente, é você quem paga o vinho, você valiosíssimo bebedor, seja o habitual, o incondicional, o ocasional, ou como ele o professor preferia “o bebedor esclarecido”.
Acho bom repetir, “ você quem paga o vinho, você que dá vida à população vinícola”, pegou?
Se seu país tem tradição vinícola, então você pode se considerar um verdadeiro herdeiro da rica civilização do vinho.
Esquece os direitos neste momento, vamos nos concentrar nos deveres, o principal deles, “ você é representativo e responsável pela qualidade dos seus vinhos”, correto?
Em certo sentido é você que “faz” a qualidade de seus vinhos, se há maus vinhos significa que há maus bebedores, cada um bebe o vinho que merece, não fique bravo, sem ofensas, de acordo?
Então escolha beber melhor, só aceite pagar mais por um vinho que realmente seja superior, na esteira deste raciocínio você verá os vinhos de uma maneira geral se tornarem melhores.
Eu acho que é isso mais ou menos que vem ocorrendo com nossos vinhos brazucas, né não? Leva anos, precisa paciência..., vamos ter mais vinhos brasileiros nas prateleiras dos supermercados, escolha um de qualidade....
Cabe a você desestimular os produtores de maus vinhos, baita responsabilidade, aceita?
Sábio este professor Émile!

“Nunc est bibendum” – “ O gosto é semelhante à rudeza do entendimento - É. Peynaud
Até breve, Bacco a seu dispor

Ref : “O gosto do vinho” – Émile Peynaud e Jacques Blouim



quarta-feira, 17 de outubro de 2012

DDD - Bacco nº9 - Decantar & Aerar ???

Dúvidas Devidamente Degustadas

“Decanters” e “Aeradores”, muitas opiniões uma só polêmica.

Carol minha amiga, não resisto às suas observações, sempre bem vindas por sinal, tá lembrada da Primitivo?, então vamos lá, vamos correr os riscos naturais de ir em frente com um assunto que todo mundo acha que conhece, é aí que mora o perigo!
Resolvi passar por cima de quase todos que em algum momento já “filosofaram” sobre a questão e fui direto pedir ajuda aos pesquisadores e professores Émile Peynaud e Jean Ribéreau – Gayon, ambos começaram seus estudos sobre o vinho em 1928 e seguiram juntos por 50 anos!
A garantia aqui é a do conhecimento pleno e da isenção
- Professor quando devemos abrir uma garrafa?
- Não faz a menor diferença abrir uma garrafa três horas antes de servir ou no último momento, nada acontece, física e quimicamente, em duas ou três horas nestas condições. A quantidade de oxigênio que penetra é mínima, muito menos de quando colocamos o vinho no copo, e menos ainda nos quinze minutos seguintes. Portanto só há uma maneira inteligente de abrir uma garrafa : imediatamente antes de ir à mesa ou de bebê-la”
-Professor, quando devemos usar um Decanter?
- No passado era indispensável sem dúvida, antes dos processos de clarificação serem dominados todos os vinhos criavam muito depósito “ no fundo da garrafa havia o que beber e comer!” Os tintos tingiam os copos com uma camada tânica aderente, os brancos apresentavam “flocos voadores”, estas garrafas não podiam ser servidas sem ser decantadas. O tempo passou mas o ritual da decantação se perpetuou!!
A formação de depósitos é natural nos tintos, sinal do envelhecimento da cor e da lenta floculação dos colóides. Portanto é normal que um vinho tinto quando tânico tenha depósitos a partir de 5 anos de garrafa, não sendo possível evitá-lo totalmente. Em contrapartida não é tolerável que haja depósito em um vinho tinto mais jovem ou um vinho branco.
Então 1ª regra “ Será decantada somente a garrafa que apresentar depósito, seja qual for a natureza deste depósito e a idade da garrafa, conseqüentemente, uma garrafa que não produziu depósito será servida diretamente.
Ponto pacífico, as coisas se complicam quando se fala sobre os efeitos da aeração, ou seja da pequena dissolução de oxigênio que sempre acompanha a decantação.
Para alguns a aeração sempre é favorável e necessária, dizem que o buquê dos vinhos velhos é liberado e se desenvolve no contato com o ar, decantam sempre com a intenção de aerar o vinho.
Para outros a aeração sempre é nociva, e que se for prolongada afetará a intensidade e a fineza do buquê
Opiniões tão estanques são difíceis de serem defendidas, quase sempre decorrem de observações fragmentadas e de generalizações algo precipitadas, são posições empíricas que misturam os fatores e ignoram as circunstâncias.......
“É um erro, sem dúvida, decantar os vinhos velhos várias horas antes do consumo, pois seu buquê, fruto de processos de redução realizados lentamente ao abrigo do ar desaparece ou se atenua mais ou menos rapidamente, conforme o vinho, depois de uma aeração mesmo que seja leve” – Traité d’oenologie, J.Ribereau-Gayon – É. Peynaud
.........vinhos excepcionais, os vinhos muito bons, de reserva, e os vinhos de variedades, perdem buquê, corpo, e personalidade ao serem decantados algumas horas antes, o vinho amolece e perde o caráter adquirido pelo envelhecimento. Em contrapartida, vinhos que apresentam alguns defeitos no nariz ou alguns gostos estranhos ficam melhores com uma aeração..................
........abertura e decantação uma ou duas horas antes servem apenas para dissipar os eventuais defeitos “ a aeração não se justifica para vinhos de qualidade”
Vamos a segunda 2ª regra “ Se for necessário decantar, isso deverá sempre ser feito no último momento, imediatamente antes de ir à mesa ou de servir, nunca com antecedência”
A 3ª regra nasce em conseqüência das duas primeiras e se aplica aos casos específicos
3ª Regra “Somente os vinhos que têm algum defeito a ser perdoado ( falta de nitidez olfativa, presença de gás, leve magreza, ...etc) justificam uma decantação antecipada com grande contato com o ar”
..........os decantadores-aeradores são perigos temerosos para vinhos finos. Na ausência de depósitos a decantação se torna simplesmente “passagem para a jarra de cristal”, o que está muito na moda.Um vinho modesto servido em um decanter sem rolha e rótulo, freqüentemente nos faz crer que se trata de um grande vinho!
"Nunc est bibendum”, vai decantar o vinho da foto irmão?
Até breve, Bacco a seu dispor
Ref : textos e foto “O Gosto do Vinho” – Émile Peynaud & Jacques Blouin.



quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Rapidinha - Breve história do Vinho VIII

“A história do vinho confunde-se com a própria civilização, ao longo dos séculos o vinho tornou-se cada vez mais importante, colocando as pessoas em contato com o sagrado, curando moléstias, aliviando angustias, facilitando o congraçamento social e dando origem a negócios que alteraram a feição de regiões inteiras” – Hugh Johnson

Companheiros! vamos então retomar nossa trajetória sobre esta história....
Depois do Egito, capítulo VII ainda estão lembrados? e antes de praticarmos um pouco mais de democracia passeando pelo mundo grego, sem dúvida a base da viticultura que conhecemos hoje, com a ajuda dos colegas e dos universitários, vamos teorizar um pouco sobre a disseminação da cultura do vinho desde sua origem por volta de 5.000 a.C até a queda do Império Romano em 500 d.C, este um evento e tanto que nós vamos ver mais a frente.
Então como foi que esta cultura se espalhou e se instalou no mundo?
Pelo menos quatro fatores são citados por quem estuda o tema como fundamentais para que o vinho literalmente tomasse o Mediterrâneo e grande parte da Europa, onde hoje por sinal reina.

- “Network à moda antiga”, o conhecimento passava de uma cultura para outra, de um povo para outro, isso acontecia de várias maneiras, pacíficas ou não, naquela época em geral não!!
Nas regiões de climas favoráveis o vinho se desenvolvia como uma commodity, que era “exportado” para as regiões de climas menos propícios, que não plantavam mas consumiam a bebida com imenso prazer.
Exemplos? o trabalho grego na colonização do Egito em 300 a.C, e mais tarde no sul da Itália (Enotria), o avanço romano sobre as terras onde hoje estão França, Alemanha e Hungria...
- “Força das crenças religiosas”, em quase todas as culturas antigas havia a associação entre o vinho e as divindades, oferendas de vinho aos deuses eram comuns em todo o mundo antigo, estes deuses freqüentemente eram associados à uva e ao vinho. O vinho sempre teve papel importante em conceitos fundamentais como morte e ressurreição (o sangue de Cristo!)
- “Money, Money!!!”, em pouco tempo o vinho se tornou para muitos povos um produto agrícola importante e principalmente rentável
Onde tinha “status” de artigo de luxo o vinho era vendido em pequenas quantidades mas a valores muito altos ( ainda hoje é assim não é não?), nos demais lugares se tornou vital para as economias regionais. Em muitas regiões das atuais França, Espanha, e Itália, a produção vinícola foi fundamental para o desenvolvimento e a prosperidade econômica de longo prazo.
- “Lei da oferta e demanda” com o tempo surgiram os mercados representativos das culturas vinícolas, com eles nasciam as leis da demanda e da oferta como as conhecemos hoje!, o vinho ultrapassou as fronteiras da religião e assumiu seu papel na sociedade mundana aquela do prazer pelo consumo, conhece?
Eu acho que podemos aceitar que o importante papel que a industria do vinho exerce hoje nas economias e na cultura dos países produtores se deve à força destes quatro verdadeiros pilares de uma história tão antiga como rica.
“Nunc est bibendum”, Bacco voltará menos sério....
Até breve, Bacco a seu dispor

Ref: Hugh Johnson (foto), Pintura bávara de 1500, relaciona vinho, sangue da uva e sangue de cristo...,Rod Philips.





domingo, 7 de outubro de 2012

Bordeaux na Espanha???

Depois de algum tempo envolvido (literalmente) com o WSET, já era hora de voltar para a Espanha, e já que estamos aqui, vamos até a Rioja, as três Alta, Baja, e Alavesa.

Atrás de cada grande região vinícola há sempre um grande rio, neste caso estamos falando do Ebro, é ele quem determina o ritmo das coisas por lá. A cidade de Logroño é a maior da região, mas Haro é o centro vinícola da Rioja.
Dando uma passadinha por lá, experimente um leitão desmamado acompanhado de um Rioja tradicional.
Em ordem de importância muitos consideram a Rioja como sendo a Bordeaux da Espanha, até pode ser, foi a primeira Denominação de Origem da Espanha, (1926) e também a primeira Denominação de Origem Qualificada (1991), parabéns para a Rioja, é também como Bordeaux, uma região de tintos (85%), embora também haja brancos, e sua uva símbolo, presente em 80% dos tintos é a Tempranillo, e para mim é aí que mora o perigo.....
Não acho que o potencial de uma Tempranillo esteja no mesmo nível de uma Cabernet Sauvignon ou mesmo de uma Merlot, o que certamente exige muito mais do produtor em todo o processo de elaboração do vinho para que o mesmo possa ser classificado ( e reconhecido) como um grande Rioja.
De uma maneira geral um tradicional Rioja, honesto, de bom preço, e de boa qualidade, é um vinho meio que “ralinho” e pode decepcionar, principalmente para os padrões do Novo Mundo.
Um Gran Reserva pode apresentar boa complexidade, e aquela textura aveludada, mas para isso teve que viver 24 meses dentro de uma barrica, outros 36 dentro de uma garrafa, e só sai de casa depois destes 60 meses, quando já se sente um adulto!
Nestes casos a Tempranillo cumpre o seu papel contribuindo para a elegância do vinho, mas ainda assim precisa de ajuda, da Garnacha (álcool e corpo ), da Mazuelo (cor, tanino, acidez ) e da Graciano (perfume).
Dizem as más línguas que por baixo dos panos, até a Cabernet Sauvignon dá seu ar das graças, sempre discreta pois não é aceita na Rioja.
Muitos acham que a melhor chance da Tempranillo honrar a fama de “rainha da Espanha” está na vizinha Ribeira Del Duero e não na aclamada Rioja, acho que eu concordo com isso....Vega, Pesquera....que tal?
O fato é que segundo Jancis Robinson hoje em dia a região sofre com a incerteza sobre o estilo dos seus vinhos, o Rioja, o vinho mais importante e mais famoso da Espanha ironicamente entra no séc. XXI buscando seu verdadeiro caráter.
Para quem sempre teve que lidar com as condições marginais do seu clima e portanto apto a enfrentar dificuldades de toda sorte, a chance de sucesso é grande, a nós simples mortais só nos resta torcer.... e beber, já que é bebendo que se aprende e se aprova.
“Nunc est bibendum”, um Rioja por favor
Até breve, Bacco a seu dispor

Ref : Viotti (foto), Jancis, Amarante, Hugh....



O que é single malt?

Epa?, single o que?, E aí Bacco bebeu irmão???????

Devagar companheiro, não é bem assim, acontece que durante o curso nós temos um capítulo sobre “spirits”, o “S” do WSET pegou? E aí bateu aquela vontade de falar um pouco sobre um velho parceiro de uma época que já passou.
Spirits são destilados, de fruta (cognac) de cana (cachaça, run) de grãos (vodka, gin ), e assim por diante, sem entrar em maiores detalhes....
Sem dúvida alguma o mais conhecido, mais complexo, mais famoso “grain spirit! é o nosso velho conhecido “Whisky”
Sim, nosso velho conhecido sim, não conheço um “enófilo entusiasmado”, um fino e educado “apreciador de bons vinhos”, até um “expert em vinhos” que naquele momento (raro) de mais intimidade não fale com saudades daquele bom e velho whisky
Acho até que alguns por uma razão ou outra, idade, pressão da sociedade por menos álcool, ou qualquer outra coisa parecida, acabaram se transformando em “bebedores enrustidos de whisky”.
Eu confesso que hoje aos 60 raramente dou minhas talagadas, reservo estes momentos para ocasiões especiais como o encontro com velhos amigos do passado por exemplo....(abraço Celinho, grande Douglas), amigos estes que também podemos dizer, hoje em dia estão algo assim como mais “conservadores” em relação ao velho destilado (spirit), dá para entender?
Depois do curso, refletindo um pouco sobre as diferenças de perfil entre os “novos apreciadores de vinhos” dos “antigos amigos do whisky” percebo que ( com rara exceções ) estes últimos não tinham um décimo da preocupação que os primeiros têm sobre conhecimentos básicos em relação à sua bebida favorita. Será uma questão de faixa etária?
Hoje em dia parece que todo mundo entende um pouco de vinho, ou pelo menos gostaria de, não acho que seja assim com o whisky.
Com base nesta particular constatação, ainda que possa ser limitada para alguns, deixo aqui minha singela contribuição sobre os destilados, whisky em especial.

- whisky é produzido à partir de cereais em grãos que ao contrário das uvas têm grande quantidade de amido insolúvel que durante o processo precisam se tornar solúveis
- este processo é conhecido como “malting” , ok? olha o malt aí!
- na Escócia são elaborados dois tipos de whisky, o “malt whisky” só de cevada maltada destilado em alambiques, e o “grain whisky” de cevada maltada e de outros grãos, destilado em destiladores contínuos.
- é difícil encontrar um “malt whisky” com menos de 10 anos, mesmo que não venha especificado no rótulo
- os “Single Whiskies” são na verdade produtos de uma mesma destilaria, é essa a definição correta. Os Single Grain Whiskies são raros, os Single Malt Whiskies são maioria entre os whiskies de alta qualidade
- Os Single Malt são mesclas de whiskies de várias idades, mas todos procedentes da mesma destilaria!! A idade do rótulo é a do whisky mais jovem da mescla
- O Blended Whisky é um produto de 2 ou mais destilarias, ok?
- Há 3 tipos, Blended Malt Whisky, Blended Grain Whisky, e Blended Scotch Whisky, uma mistura dos dois primeiros.
- O Blended Scotch Whisky representa a grande maioria dos whiskies vendidos no mercado, ao pedir um “scotch” se não for paraguaio é este que você vai beber, geralmente uma mistura de malt e grain.
Bacco e o Bourbon?, calma amigo este é um outro capítulo, fica para outra oportunidade
“Nunc est bibendum”, um scotch please............
Até breve, Bacco a seu dispor

Ref : WSET- Wines & Spirits – Understanding Style and Quality