quinta-feira, 30 de agosto de 2012

"Scala Dei" (Escada de Deus).......Priorat!!!




Como já confessei aqui eu não sou a melhor pessoa para julgar, classificar, o que mais seja, os modernos vinhos espanhóis, me falta conhecimento, me falta “litragem”, mas mesmo assim eu faço uma aposta, a Catalunha de espírito livre, orgulho de cada catalão existente, se ainda não é ( não sei não!!), será em muito breve a região vinícola mais importante da Espanha, com Priorato e Penedès na linha de frente. Alguém quer contestar?







O Priorato, região que tinha mais habitante no tempo dos romanos do que atualmente, uma das mais influentes regiões agrícolas da era medieval, acabou esquecida por séculos, e agora está de volta!
Esta região catalã tem seu nome ligado à criação da ordem religiosa “Scala Dei” ( Escada de Deus) em 1163, um latifúndio feudal pertencente ao Prior, monge e mestre da ordem, daí o nome Priorato.
Com um terroir único, protegido por um anel de montanhas, verões quentes e invernos rigorosos, solo de ardósia ( licorella), um conjunto que proporciona entre outros fatores de qualidade, baixos rendimentos, e maturação lenta e completa das uvas, acaba por oferecer aos vinhos aí produzidos a oportunidade de se mostrarem de grande profundidade e intensidade com riqueza de aromas e sabores, e apesar dos 14% a 15% de álcool, este quase nunca é um intruso.
Quem melhor se aproveita disso tudo é a Garnacha/Grenache, sempre coadjuvante no resto da Espanha, aqui ela manda e desmanda, é a protagonista mas não egoísta, cede espaço para a Cariñena/Carignan e até para as francesas Cabernet e Syrah.
Os “cinco mosqueteiros” do Priorat, liderados por René Barbier – Clos Mogador, costumam ser responsabilizados pelo renascimento da região,( década de 80) com ele vieram os amigos Alvaro Palácios – Clos L’Ermita, Carlos Pastrana – Clos de L’Obac, José Luis Peres – Clos Martinet e Daphne Glorian – Clos Erasmus.
Os vinhos destes pioneiros senhores vejam só, hoje são considerados entre os melhores da Espanha e já não são mais para simples mortais ($$$$).
Portanto, acredite em mim, não perca tempo, preste mais atenção na Espanha, vá atrás dos vinhos do Priorato, os modernos, enquanto ainda é possível pagar por eles um valor decente para um vinho de qualidade....

“Nunc est bibendum”,siga a Escada de Deus
Até breve, Bacco a seu dispor

Thanks : Jancis, Johnson, Viotti, Lucki, André Dominé, Grande Larousse…..foto: Montserrat-Catalunha



sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Sherry...Xerez,Jerez, viva a Andaluzia!!


“Sonhar o sonho impossível
Sofrer a angustia implacável
Pisar onde os bravos não ousam
Reparar o mal irreparável
Amar um amor casto à distância
Enfrentar o inimigo invencível
Tentar quando as forças se esvaem
Alcançar a estrela inatingível
Essa é a minha busca”

Dom Quixote de La Mancha




O clássico de Miguel de Cervantes y Saavedra ( 1547- 1616) foi ambientado na região de La Mancha mas bem que poderia ser na Andaluzia, na minha visão os versos do cavalheiro andante refletem a obstinação e a dedicação do produtor andaluz na sua luta para manter vivo o Jerez, um vinho de mais de 2 mil anos!!!
“Aceitunas, anchoas, morrón, jamón serrano, y una copita de Fino Seco”, uma mesa com “Tapas e Jerez”, um hábito cada vez mais distante até para próprios espanhóis. ( nada há ver com a crise atual )
Os ingleses adoram ( ou adoravam ) um Jerez, ou melhor um Sherry como eles preferem chamar, e estão diretamente ligados às origens destes vinhos fortificados ( + alcoólicos)
No eterno morde e assopra entre ingleses e franceses, os primeiros foram buscar fontes alternativas aos claretes de Bordeaux para continuar desfrutando de bons goles ( e que goles!) e acabaram se encantando com os fortificados de Portugal (Porto) e Espanha ( Jerez).
Aromas de nozes e amêndoas, um pouco de menta e ervas frescas, envolto em um ar marinho com toques de salinidade, certamente um inglês declamando para sua amada taça de um Jerez Fino Seco minutos antes de degustá-lo até o ultimo gole....
Há muitos tipos de vinhos de Jerez, o Fino ( Jerez de la Frontera) e o Manzanilla ( Sanlúcar de Barrameda) são mais secos e leves, e sua “crianza” depende enormemente da formação da “flor” um manto de leveduras que protege o vinho da oxidação pelo oxigênio.
Quando por inúmeras razões o véu de leveduras não se forma, o vinho oxida dentro do tonel, muda de cor, de aroma de gosto, nasce o Jerez Oloroso !
As uvas são sempre brancas, e predominantemente a Palomino, uma cepa que não teria razão de ser se não fosse para gerar os Jerez, uma obra de arte dos artesãos espanhóis
Quando estes utilizam a Pedro Ximenez (PX) o resultado é diferente, talvez o vinho mais doce que existe, uma multiplicidade de aromas e sabores, figos secos, alcaçuz,caramelo queimado, uvas passas, ameixa-preta....., uma combinação perfeita para um creme inglês, ou um manjar branco!!!
E a “crianza” destes vinhos então, todo Jerez obedece ao sistema de Solera para amadurecer antes de ser engarrafado, uma pilha de tonéis, o “solera” na base junto ao chão e as linhas de “criadeiras” uma por cima da outra, o vinho pronto que você vai beber sai da solera, só um pouco, o resto continua lá, o espaço então é completado pelo vinho da primeira linha de criadeira, e esta recebe a mesma quantidade da segunda, que por sua vez recebe da terceira, ....o movimento de “doar” e “receber” na mesma proporção pode se estender por inúmeras linhas de criadeiras ( 14!), um sistema que aumenta muito a idade média do vinho em todo o sistema, e garante a manutenção do estilo a cada ano em que uma parte dele é engarrafado e oferecido à você, não se acanhe então, vai lá, experimente, compre um, quem sabe você não se torna um admirador do Jerez, bem que ele precisa........
A grande ironia disso tudo é a seguinte, justamente o álcool extra dos generosos e fortificados, usado para preservar os vinhos por mais tempo, aumentando as possibilidades de chegarem até os exigentes ingleses em boas condições, é hoje o maior obstáculo para o crescimento e até a sobrevivência destes vinhos.
Ao contrário dos antigos bebedores, o apreciador dos dias de hoje tem consciência sobre a necessidade de consumir pouco álcool, preferindo optar por vinhos tranqüilos com menor teor alcoólico.
O Douro terra dos Portos tem a alternativa da produção de Tintos Tranqüilos de ótima qualidade, o clima ajuda, já não é bem o caso da tórrida Andaluzia onde as uvas literalmente “cozinham no pé”
O Jerez é o grande vinho da Andaluzia, quem sabe ainda até da Espanha, mas ao que parece o desenvolvimento do vinho neste país parece seguir outra direção.....rumo ao norte, mais um desafio para o andaluz, com a inspiração de Dom Quixote ele acredita que vai vencer mais uma vez................

“Nunc est bibendum”, ..”alcançar a estrela inatingível, esta é a minha busca”, Dom Quixote
Até breve, Bacco a seu dispor

Thanks, Viotti, Jancis, Johnson, Dominé, Larousse.....foto: Coleção Folha-O mundo do Vinho





domingo, 19 de agosto de 2012

Qual é a cara do vinho espanhol???

Sempre que o assunto é vinho europeu, qualquer que seja o tema, minha impressão é de que com a França na liderança, Itália e Espanha correm por fora para saber quem tem o privilégio de ser vice.


Não sei, ainda acho que a Itália segue firme na segunda posição, mais atenta com a liderança dos franceses do que com a concorrência dos espanhóis, sei não, sei não....
Hoje em dia, quase tudo o que se fala ( e se bebe ) sobre o atual vinho espanhol é no mínimo positivo.
Segundo Hugh Johnson, a Espanha vinícola vem se reinventando, e de produtor de vinhos anônimos até meados de 70, hoje já alcança credibilidade no mercado e apresenta vinhos de qualidade, usando e abusando das suas castas nativas, das novas tecnologias disponíveis, e das quebras de determinados paradigmas.
Ainda segundo Hugh a retomada do “sentimento de identidade regional” ( era pós Franco ) responde por este novo cenário.
Acho que faz todo sentido em um país de “autonomias marcantes”, País Basco, Catalunha, Galícia, ...Andaluzia.
A diversidade de cepas autóctones não é tão significativa quanto na Itália, mas tem lá seu peso e significado na personalidade do atual vinho espanhol, Albariño, Cariñena, Airén (+ plantada na Espanha), Mencía, Graciano, Viura, Verdejo, Macabeo, Palomino, Pedro Ximenez, e naturalmente a Tempranillo!
O diversificado clima espanhol é outro fator preponderante no estilo dos vinhos de cada região, o Oeste sofre a influência do Atlântico, as zonas Central e Setentrional têm um clima mais Continental com verões quentes e invernos frios, já a costa da Catalunha desfruta de um clima Mediterrâneo....
O tal do rendimento hl/ha ( hectolitros por hectare) por aqui é baixíssimo, 25 contra 70 na França por exemplo, os motivos são entre outros, cepas muito velhas, o clima rude, tornando a vida da uva difícil, a regulamentação,..etc, na maioria das vezes este baixo rendimento é benéfico para a qualidade final do vinho, ponto para a Espanha!
Por falar em regulamentação, segue firme na cultura enológica espanhola a visão de que não faz sentido vender vinhos que não estejam prontos para o consumo, a responsabilidade de cuidar dos vinhos até sua maturidade é do produtor.
O resultado desta premissa é que a classificação de Gran Reservas, Reservas, Crianzas e Jovens é para valer, não havendo espaços para abusos, improvisações ou modismos, ponto para a Espanha!
Um Gran Reserva tinto estagia por 60 meses antes de ser colocado no mercado, 18 em barricas e o restante na garrafa e ponto final, não se discute mais.
Os vinhos Jovens são os únicos “sin crianza” ( sem amadurecimento), o que não significa má qualidade, apenas leveza e indicação para um consumo rápido após sua elaboração.
Por essas e outras, dizer que o vinho espanhol é sinônimo de Rioja ( muitos ainda acham isso), é no mínimo uma simplificação perigosa, beirando a ingenuidade...

“Nunc est bibendum”, salve Toro, Rias Baixas, Priorato, Penedés, Ribeira Del Duero......
Até breve, Bacco a seu dispor......

Thanks: Viotti, Johnson, Grande Larousse....